Especialista revela que adolescentes de várias partes do mundo estão decidindo seu futuro profissional sem levar em conta as transformações do mundo do trabalho.
A vida de milhões de pessoas será impactada com as mudanças em curso no mercado de trabalho, alertam especialistas das mais variadas áreas. Várias profissões estão à beira da extinção, enquanto outras tantas estão sendo criadas, muitas vezes sem que haja profissionais em número suficiente para exercê-las. Essas previsões fartamente divulgadas e debatidas, contudo, ainda não influenciaram os adolescentes em vias de decidir sobre seu futuro profissional.
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Um estudo recente divulgado pela OCDE mostra que os adolescentes aspiram a basicamente 10 profissões, todas elas dos séculos 19 e 20 – e muitas sob o sério risco de serem automatizadas, observa Andreas Schleicher, diretor da área de Educação da OCDE. Nascido na Alemanha, Schleicher tem formação em Física, Matemática e Estatística e se notabilizou pela criação do PISA, o teste internacional de aprendizagem aplicado em dezenas de países, incluindo o Brasil.
Em entrevista à Ensino Superior sobre o relatórioDream jobs: Teenagers’ career aspirations and the future of work, o especialista afirma que os adolescentes precisam de orientação de carreira e maior inserção no mercado de trabalho para ampliarem seus repertórios e suas escolhas profissionais.
O material traz dados de 41 países e foi compilado a partir de respostas coletadas na aplicação do PISA. Um dado que chamou a atenção de Schleicher foi a baixa ambição de muitos jovens em relação à continuidade dos estudos. Esse fato é particularmente verdadeiro para os adolescentes mais pobres e se confirma mesmo entre os que vão bem no PISA. O levantamento também mostrou a influência dos estereótipos de gênero. No Brasil, por exemplo, as meninas são menos propensas a seguir carreira nas áreas de ciência e engenharia, ainda que tenham bom desempenho em ciências e matemática. Todas essas questões precisam ser enfrentadas, acredita o especialista da OCDE.
“Muitas crianças brasileiras de 15 anos de idade têm expectativas irreais em relação à continuidade de seus estudos” (foto: divulgação)
O relatório aponta que as aspirações de carreira dos adolescentes são estreitas, irreais e distorcidas por questões sociais e de gênero. Esta conclusão se aplica a todos os países analisados, em geral?
Não, há uma variação significativa entre os países. Por exemplo, no Brasil e na Indonésia, dois terços ou mais dos jovens de 15 anos aspiram a apenas 10 ocupações, muitas delas empregos do século 19 ou 20, e não os empregos do século 21 com maior potencial de crescimento. Por outro lado, os jovens na Alemanha e na Suíça buscam uma gama muito maior de ocupações, e talvez isso seja reflexo da força da orientação profissional e da exposição ao mundo do trabalho nesses países, o que ajuda os jovens a tomar decisões mais embasadas, desde a tenra idade, sobre os programas de educação e treinamento vocacional que planejam seguir.
A preferência dos jovens por profissões que correm sérios riscos de automação não é um fenômeno de países menos desenvolvidos, tendo em vista os dados do Japão e da Alemanha. É possível dizer que os jovens, em geral, não estão cientes das mudanças do mercado de trabalho?
Há uma variação entre os países nesse tema da preferência dos jovens por empregos em risco de automação. No Japão e Eslováquia, até metade dos empregos que os jovens pretendem realizar estão em risco de automação e isso está relacionado à estrutura das economias. E, sim, parece que o que sabemos sobre o futuro do trabalho não entra nas experiências e aspirações dos jovens. E isso é uma desvantagem para os jovens com maior probabilidade de optar por empregos com alto risco de automação.
As aspirações dos jovens brasileiros estão fortemente concentradas em 10 carreiras, como mostra o estudo. Como isso afeta o mercado de trabalho e o desenvolvimento do Brasil?
Por exemplo, a maioria das meninas brasileiras quer se tornar professora ou médica, profissionais que elas vêm ao seu redor. Você pode se perguntar se 15 anos é uma idade em que os jovens conseguem ter uma ideia sobre seu futuro. Mas o ponto é que algumas das decisões de carreira mais importantes não são tomadas no final da escolaridade, quando falamos sobre essas coisas, mas na escola primária. Esse é o momento em que descobrimos se a escola é uma experiência significativa, quanto tempo e energia vamos dedicar ao aprendizado e quais campos de estudo vamos empenhar nossos maiores esforços. Tudo isso molda profundamente as oportunidades que teremos na vida. A idade de 15 anos também é uma época em que os modelos e a exposição ao mundo do trabalho são extremamente influentes. Se você nunca conheceu um engenheiro, por que estudaria bastante matemática ou ciências desde cedo na vida? É difícil ser o que você não pode ver.
Na análise da porcentagem de jovens com alto desempenho no PISA e que não esperam concluir o ensino superior, podemos observar um alto nível de descrença entre os alunos mais pobres. Entre eles, quase 30% não acredita na possibilidade de concluir o ensino superior, enquanto entre os alunos mais ricos esse percentual é inferior a 10%. Isso explica o aprofundamento das desigualdades sociais no mundo todo?
Sim, uma das coisas que mais me impressionou foi o fato de haver muitos estudantes de alto desempenho e com baixas expectativas de carreira. Você pode ver que os que alcançam altos níveis nem sempre têm objetivos altos. E jovens de alto desempenho e com origens desfavorecidas têm quatro vezes menos chances de manter altas aspirações educacionais e ocupacionais do que colegas com desempenho semelhante, mas com origem social mais privilegiada. Isso pode se tornar uma profecia autorrealizável, a menos que os sistemas escolares sejam melhores em expor os jovens a uma gama mais ampla de realidades fora da escola.
Não é apenas a base social que distorce as expectativas de carreira. Meninos e meninas que têm resultados de aprendizagem semelhantes no PISA podem ter expectativas de carreira muito diferentes. Entre os de alto desempenho em matemática ou ciências, observa-se que os meninos são muito mais propensos do que as meninas a manifestar interesse em se tornar profissionais de ciências ou engenharia. O inverso era verdadeiro para carreiras relacionadas à saúde.
E, novamente, muitos adolescentes desfavorecidos, e principalmente os meninos, antecipam a busca de empregos com alto risco de serem automatizados.
Em países como Brasil, México, Argentina e Singapura, essa diferença mencionada anteriormente não é tão marcante. Ou seja, os alunos com alto desempenho no PISA, de origem social vantajosa ou desvantajosa, têm projeções semelhantes em relação ao ensino superior. O que isso revela sobre esses países?
De fato, há disparidades menores, mas, ao mesmo tempo, muitas crianças brasileiras de 15 anos de idade têm expectativas irreais em relação à continuidade de seus estudos, ou seja, expectativas que não são sustentadas pelo desempenho escolar. Isso pode ser reflexo do fato de que os jovens não têm ou não conhecem alternativas ao ensino universitário.
Por que na Alemanha quase 30% dos alunos de alto desempenho no PISA e de origem social privilegiada não esperam concluir o ensino superior? Considerando que quase 30% deles manifestaram o desejo de ter uma profissão e/ou ocupar cargos gerenciais, seria possível dizer que os jovens alemães estão julgando o diploma desnecessário?
Sim, na Alemanha os jovens têm muitas alternativas interessantes ao diploma universitário.
O estudo aponta que um orientador de carreira na escola reforça para os jovens a relação entre a dedicação aos estudos e a conquista de um bom emprego no futuro. Os consultores de carreira também ampliam a visão dos alunos sobre as possibilidades profissionais. Ter esses profissionais nas escolas seria, portanto, um bom investimento para o desenvolvimento econômico dos países?
Sim, uma orientação profissional eficaz pode incentivar os alunos a refletir sobre quem eles são e quem desejam se tornar, e também a pensar criticamente sobre as relações entre suas escolhas educacionais e a vida futura. A experiência do mundo do trabalho pode dar aos jovens a oportunidade de aplicar suas habilidades e conhecimentos em novas situações. A vivência também os desafia a entender o que significa ser pessoalmente eficaz e também atraente para os empregadores e, ao mesmo tempo, oferece oportunidades para desenvolver redes sociais de valor.
Quando os jovens veem pessoas que fazem trabalhos diferentes, aprendem a enxergar além dos estereótipos baseados em gênero e classe e ampliam suas aspirações.
Além disso, atividades eficazes de desenvolvimento de carreira podem ajudar os jovens a entender melhor a relação entre educação e emprego e o que precisam fazer para alcançar seus objetivos. Mesmo quando a experiência no local de trabalho é limitada, as escolas podem replicar alguns dos benefícios positivos da exposição em primeira mão ao mundo do trabalho, por meio de programas de desenvolvimento de carreira.
AutorMarina Kuzuyabu